quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sobre ônibus, tarifas e direitos - e isso é só o começo

Se tem uma coisa que tá "bombando" nas timelines do Brasil inteiro agora é a questão do transporte público. Diversas discussões são levantadas, pontos de vista são apresentados, principalmente sobre os protestos contra o aumento da tarifa (funcionam ou não, devem ser pacíficos ou não, enfim). Mas esse não é o foco do texto, na verdade pretendo discutir o transporte público por ônibus com foco na minha cidade, Natal, mas talvez o exemplo seja muito parecido com o de outras cidades do país.

Vou fazer uma espécie de perguntas e respostas pra não ficar tão cansativo. Ready? Go!

1) Quem é o responsável por essa bagunça toda?

Bom, como é um serviço público, é de responsabilidade da prefeitura; a secretaria da prefeitura responsável por todas as questões referentes a mobilidade urbana em Natal se chama SEMOB. Maaaaaas, no nosso caso, o que funciona é um regime de concessão: a prefeitura faz contratos com empresas privadas pra que elas possam operar as linhas de ônibus na cidade. Essas empresas se uniram e formaram um sindicato, que se chama SETURN; geralmente, o SETURN toma a decisão de aumentar o preço da passagem e repassa isso pra a prefeitura, que aprova ou não. Eu sei que a confusão foi tanta no Brasil todo por conta desse aumento, que o Governo Federal precisou tomar uma atitude: redução de impostos (PIS e Cofins) para as empresas, de forma que a tarifa em Natal que era R$ 2,20 e tinha passado pra R$ 2,40 ficou em R$ 2,30.

[Aqui vai um comentário maliça da Camis: por que, Deus do céu, nunca se pensou nisso antes, quando há muito tempo chove na TV propaganda sobre redução de IPI na venda de automóveis? Fica a dica sobre as prioridades de investimentos do nosso país. Pra quem estamos governando mesmo?]




2) E como é que funciona pra que uma empresa de ônibus possa operar uma linha em Natal?

Licitação. É tipo como se fosse um concurso, sabe? A prefeitura mostra as necessidades atuais da cidade e as empresas "competem" (hahaha) pra operar em região X ou Y da cidade. SENDO QUE, sabe quando foi a nossa última licitação? Década de 80. O QUEÊ??? Verdade. Todas as linhas de ônibus novas que surgiram, foram fruto de acordos entre as empresas e a antiga STTU (atual SEMOB). Sabe como era Natal na década de 80? Assim.


Avenida Roberto Freire na déc. 80 e atualmente
Fonte: Página Natal Como Eu Te Amo, Facebook.

Acho que a cidade mudou um pouquinho, né? Essas linhas de ônibus estão de-sa-tu-a-li-za-das. Pra vocês terem ideia, segundo pesquisa origem-destino realizada em 2008, só 6% das pessoas desciam na Cidade Alta e na Ribeira, mas mesmo assim 56% das linhas de ônibus continuam se deslocando pra lá. Helloooo! Sério, quem é que ainda vai resolver suas coisas do dia-a-dia no centro antigo da cidade? Comprar roupa, fazer feira, ir ao médico (ai, Petrópolis)? Tem que ver isso aí.

Agora uma questão POLÍTICA. Há quem seja contra a licitação, por ter uma visão menos corporativa da coisa. Essas pessoas defendem uma empresa de transportes pública mesmo, não privada, pra que deixemos de ser reféns dos empresários lucrando em cima de uma coisa que deveria ser direito de todos. Há quem ache que não, que se a licitação fosse feita de 5 em 5 anos, por exemplo, isso ia gerar mais competitividade entre as empresas e um consequente aumento da qualidade do serviço. São muitas questões envolvidas! Tem gente que vai dizer que empresa pública no Brasil não tem jeito, que os funcionários são péssimos e desestimulados, etc. E tem gente que vai dizer que é nada a ver essa competitividade das empresas, porque na verdade elas se acertam entre si, cada uma pega um setor da cidade e tchau (aliás, tô quase certa de que boa parte das empresas de Natal foi vendida pra uma única, de Recife... aí já viu). Parece que tá tudo perdido, né? Mas tenhamos esperança, uma hora a gente se encontra nessa bagunça.

3) Se o transporte é público, por que a gente tem que pagar?

Porque alguém entendeu que público era aquilo a que todo mundo podia ter acesso, sendo pago ou não. Só que, veja só, no nosso injustíssimo país, há gente que NÃO PODE pagar a tarifa, porque não cabe no orçamento. Então, na minha concepção, ele deixa de ser público. E isso fere, e muito, o direito à cidade: ora pois, não é condição essencial se deslocar no meio urbano? É assim que você trabalha, estuda, se diverte... É assim que a cidade vive!



4) Será que era possível... ai, tô com vergonha... será que era possível a gente não pagar por essa tarifa?

SIIIIIIIIIIIIIIIM! A tarefinha de casa será procurar no Google sobre a cidades de Hasselt, na Bélgica, Chapel Hill, nos Estados Unidos e Tallin, na Estônia. Todas elas aplicaram o sistema :) Ou seja, é possível! Aí estão alguns exemplos pra mostrar que sim. Acredito que a gente pode chegar lá, pagar por esse serviço através de nossos impostos, mas precisamos refletir bastante sobre os nossos caminhos. O único caminho que eu tenho CERTEZA que não vai dar em nada é o que começa com a seguinte frase: "isso nunca vai dar certo". 

E pra terminar, pra as pessoas que acham que não tem nada a ver com a história porque dirigem carro próprio, eu quero perguntar se elas ficam felizes com os inúmeros congestionamentos que enfrentam na cidade. Continuar planejando pra carro já era, meu povo! Ele deve ter o seu espaço, mas jamais ser prioridade. Nada mais esclarecedor do que a foto abaixo. 


E isso aqui é só um pedacinho do "póblema" quando se trata de mobilidade em Natal. Ainda temos pepinos enormes pra resolver no nível do pedestre, do ciclista... Tem aquele trem maluco! Tem as motos... Ah, as motos... É muito pano pra manga! Assunto não vai faltar pra a gente. Até a próxima polêmica.


domingo, 19 de maio de 2013

Pra começar a colorir

Le droit à la ville ou O direito à cidade é um livro, um conceito, uma visão que nos guia para um novo caminho. Henri Lefebvre, filósofo francês, foi o cara que deu vida a este conceito, publicando suas ideias em 1968. Mas não precisa ser filósofo, muito menos francês, pra entender do que se trata.

filosofando ou paquerando? eis a questão!

Nosso pernambucano arretado - Chico Science - e sua nação Zumbi, na década de 90, resumiram tudo em quatro versos muito simples:

A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o debaixo desce



A cidade não para de crescer: atualmente, cerca de 80% da população brasileira vive nas cidades; segundo projeções da ONU, daqui pra 2050 esse número deve aumentar pra um pouquinho mais que 90%. E daí? E daí que é simples: sabe carnaval de Caicó? Ou carnaval de Olinda? A cidade fica tão cheia de gente que todo mundo fica naquele medo de faltar água. Num é fácil de entender? Quanto mais gente morando nas cidades, mais vamos precisar de recursos e infra-estrutura adequadas.

E esse negócio do de cima sobe e o debaixo desce, é o que, menina? Brincadeira do morto-vivo? É não, muié! E quem explica dessa vez são AS MENINAS: o rico cada vez fica mais rico / e o pobre cada vez fica mais pobre.

bomxibomxibombombom

A cidade, o lugar do sonhos, para onde muitos migram e continuarão migrando em busca de melhores condições de vida, é - em sua maioria - um soco no estômago, um golpe de realidade dura e cruel. Por não estar preparada para esse fluxo tão grande de pessoas que a desejam, acaba servindo melhor àqueles que podem pagar mais. Quem não pode, se vira nas habitações inadequadas, nos hospitais sem leitos e no ônibus lotado (se tiver dinheiro para a condução). No entanto, quem tem bala na agulha também não está isento de frustrações: esses também sofrem com a falta de segurança, com o trânsito caótico, com o aumento da temperatura, com a falta de espaços públicos adequados de lazer, ciclovia... E, da mesma forma que a lei diz que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" (Constituição Federal), há também lei que afirma que temos "direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações" (Estatuto da Cidade). Deu pra entender? É direito de todos nós usufruir de uma cidade bacana :)

por trás dos luxuosos prédios de areia preta, natal/rn

Na condição de estudante de arquitetura e urbanismo, me dá uma agonia, sabe? Porque penso que as coisas têm solução. Sei que é difícil, que é um assunto sem fim, que vai nos levando cada vez mais fundo, passando por vontade política, sistema econômico e questões sociais intrigantes. Venho na intenção de compartilhar ideias, fomentar discussões, porque esse é um assunto que interessa a todos e, definitivamente, precisa ir além das quatro paredes da sala de aula.

Por aqui vai aparecer um bocado de coisa: mobilidade, megaeventos, habitação social, agricultura urbana, city marketing, participação social, estatuto da cidade, zonas de proteção ambiental, espaços públicos, infra-estrutura urbana, permacultura, patrimônio histórico...

E pra terminar, pra deixar claro que não permito entregar tudo ao pessimismo, fica aqui uma frase de outra pessoa que também deve nos inspirar nesse caminho:

"Because things are the way they are, things will not stay the way they are" (B. Brecht)


Namastê.